“CANTICO NEGRO” por José Régio

bichos_estranhos_filmes_f_011

CÂNTICO NEGRO

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: “Vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre nas vossas veias sangue velho dos avós.
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
– Sei que não vou por aí!

“O Japão é um lugar estranho” de Peter Carey


Finalmente terminei “O Japão é um lugar estranho” de Peter Carey.

Numa edição portuguesa esteticamente muito bem conseguida, é nos relatado como um pai, neste caso o próprio Peter Carey, é despertado para a nova cultura japonesa pelo seu filho adolescente, levando-os a uma viagem pelo Japão moderno mas pouco convencional.

Devo dizer que gosto de ver um ou outro filme anime e tenho uma pequena paixão pela cultura japonesa, sendo esta uma das razões que me levaram a comprar este livro. Outra foi o destaque que mereceu no blog da livraria Pó dos Livros que tento acompanhar regularmente.

No entanto, talvez pelas expectativas serem tão elevadas, fiquei um pouco desiludida… Praticamente apenas os temas do anime e da manga japoneses são abordados o que, penso, limita um pouco livro, e por fim, a obra não trás realmente nada de novo, o autor não consegue compreender aquele Japão fechado e misterioso, e muito menos nós, que ficamos com a mesma sensação de vazio e ignorância que, na minha opinião, não é o que se pretende de um livro.

No entanto nem tudo foi mau, e para os verdadeiros apreciadores do género, talvez tenha o seu interesse.

Das minhas passagens preferidas, destaco a visita ao artesão de espadas samurai (embora mais uma vez aqui as explicações são vagas e incertas) e uma descrição dos violentos ataques Americanos ao Japão durante a segunda guerra mundial. Esta passagem em particular impressiona, porque nos recorda que os supostos “polícias do mundo” foram a única nação a utilizar a bomba atómica e que na guerra milhares de inocentes são arrastados para um destino que nada lhes diz…

Só uma nota final, o autor foi premiado anteriormente duas vezes com o conceituado prémio Booker Prize, com os livros “Óscar e Lucinda” e “A Verdadeira História do Bando de Ned Kelly”. Esta foi a primeira obra do autor que li e penso dar-lhe o benefício da dúvida, experimentado uma das duas obras premiadas.